quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Posso querer o que quero?

Para responder essa pergunta usarei o filosofo alemão Arthur Schopenhauer e o neurocientista Benjamin Libet, ambos com uma interessante historia sobre a questão.
Arthur Schopenhauer nasceu em Danzing (atual Gdansk), em 1788. Seu pai era muito ambicioso, obrigando a Schopenhauer fazer o que ele o ordenava. Por isso estudou em várias escolas e internatos da Holanda, França, Suíça, Áustria e Inglaterra. Porém seu pai morre quando ele ainda era jovem, e apesar de temê-lo ele o admirava e sentiu muito sua partida. Schopenhauer era um rapaz bastante inteligente e bem apessoado, mas não se sentia compreendido por ninguém. Aos 21 anos sua mãe o expulsa de casa. Muda-se então para Berlim e Jena, para estudar medicina, ciências e filosofia.
Com 25 ele escreve seu doutorado. Schopenhauer diz que o ser humano não tem condição de reconhecer o mundo de maneira objetiva. O que podemos reconhecer e ver é o que nosso cérebro de mamífero nos permite.
Em 1820, começa a dar aula de filosofia, mas com a concorrência de Georg Wilhelm Friederich Hegel, a universidade o reprova. Magoado, vai morar em Frankfurt. Lá escreve vários livros, e diverte as pessoas conversando consigo mesmo pelas ruas. Porém, cada vez mais o ser humano se torna sombrio para ele.
Seu principal trabalho foi publicado aos 30 anos, O mundo como vontade e representação, do qual não foi dada muita importância no início. Mas ele conseguiu encontrar algo que havia passado em branco nos demais filósofos, e tudo isso graças a sua profunda desconfiança no ser humano. Nesta obra Schopenhauer colocou uma das mais espetaculares perguntas da filosofia: “Posso querer aquilo que quero?”.
Caso a resposta da questão for não, então não haveria uma vontade livre e a razão não teria sentido. As regras de minhas ações não determinariam a razão, mas a vontade sem razão. Assim, Schopenhauer afirmou que a central de comando no cérebro não é a razão, mas a vontade.
Schopenhauer tinha terminado a suspeita de que o homem era guiado por sua razão. Ele reconheceu isso como o erro básico de todos os filósofos, e segundo ele “a maior de todas as ilusões”: a de que bastava saber o que era o bom para passar a fazê-lo.
Passamos agora a outra história. Benjamin Libet nasceu em 1916 em Chicago e estudou fisiologia. Libet não era bem um neurocientista segundo sua formação, mas na década de 1930, neurologia era algo bem difícil de estudar. Ainda jovem queria encontrar um meio de medir os processos da consciência. No final dos anos 50, ele fez um experimento com pacientes de neurocirurgia que estavam com seus cérebros parcialmente expostos. Ele colocou cabos nos cérebros e os estimulou com fracos pulsos elétricos, e observou quando os pacientes reagiam. O resultado foi incrível, do estimulo do córtex até o espasmo do paciente passou mais de meio segundo. Outros dois neurocientistas também tinham determinado a existência de um intervalo. Da intenção de movimentar a mão até o movimento propriamente dito demorava quase um segundo. Libet concluiu que não conseguimos perceber este segundo.
Em 1979, começou uma nova experiência, a qual o deixou famoso. Ele sentou uma paciente e fez ela olhar para um grande relógio. Não um relógio normal, mas um ponto verde, que girava rapidamente em volta de um disco. Depois ele fixou um cabo no pulso da paciente e a um aparelho de medição, e outro no cérebro, por meio de um capacete e também ligado a um aparelho de medição.
A tarefa da paciente era observar o ponto verde no relógio, e em algum momento, de sua escolha, decidia movimentar o pulso, mas também tinha que notar onde estava o ponto no momento da decisão. A paciente fez o combinado, decidiu movimentar o pulso e notou a posição do ponto verde. Libet pediu onde estava o ponto na hora da decisão e o registrou. Depois observou os aparelhos de medição. Já imaginou qual foi o resultado? Primeiro foi o eletrodo do pulso que se fez notar; a paciente indicou como o momento de sua decisão meio segundo mais tarde, e cerca de 0,2 segundo depois aconteceu o movimento do pulso.A paciente havia decidido agir meio segundo antes de ter conhecimento da decisão. Isso significava que o conceito filosófico da livre vontade humana estava no fim?
Imaginemos agora como seria um encontro entre Schopenhauer e Libet para esclarecer essa questão. Como Schopenhauer não gosta de jogar conversa fora, vamos logo ao que interessa:
- Bem, senhor Libet, como vão as coisas? Posso querer aquilo que quero?
- Já que o senhor está perguntando diretamente, a resposta é não. Não pode querer aquilo que quer.
- Como eu diria então? A vontade é o senhor, e o discernimento, seu criado?

- Mais ou menos isso.

- Hum?

- É, mais ou menos isso.

- O que o senhor está querendo afirmar? O que significa “mais ou menos” aqui?

- “Mais ou menos” significa que não podemos ter certeza absoluta.

- Como assim? O caso está claríssimo. A vontade se antecipa ao discernimento consciente; foi isso que o senhor explicou. Por cerca de...

- ... cerca de meio segundo.

- Exato, senhor Libet, por cerca de meio segundo. Isso significa qua a vontade dita e o discernimento consciente vai mancando atrás. Não é assim? E, se o discernimento vai mancando atrás, também não há a livre vontade; pois a vontade não é influenciada, mas apenas percebida e comentada. E toda filosofia da moral foi pro vinagre.

- Bem, sim... - A visão consciente ou razoável das coisas não é a essência do ser humano; apenas um acessório ornamental que aparece posteriormente, uma justificativa histórica ou um comentário atrasado.

- Posso acrescentar algo...? - Por favor.

- Meio segundo se passa entre o impulso da vontade até a decisão consciente, certo. Mas se passa mais meio segundo até que o paciente movimente o pulso, ou seja, até ele agir... - E...?

- ... que dizer que, embora não exista uma livre vontade, existe algo como uma livre não-vontade, com a qual ainda posso evitar o pior. - Uma livre não-vontade? O senhor tem umas idéias estranhas.

- Pode ser que isso soe estranho, mas acredito que seja assim. O querer não é livre, mas o não-querer é. Independentemente daquilo que nas faça fazer algo, sempre temos a chance de dizer “pare”. - O senhor acha que provou isso com o relógio? Que existe uma não-liberdade inconsciente e uma liberdade consciente?

- Ora, “provar” é uma palavra pesada. Mas acredito nisso.

- E tudo isso com base nas experiências simples que o senhor fez?

- Bem, senhor Schopenhauer, assumo que minhas experiências foram bastante simples.
Mas mesmo assim acredito que há algo que controla nossa vontade, ou seja, como digo, a livre não-vontade. O senhor já imaginou o que significaria para a sociedade se aceitássemos que ninguém é responsável por sua vontade e, por isso, não pudesse assumir tal responsabilidade? O que eu faria então com um assassino? Ele precisaria apenas dizer: “Eu não sabia o que estava fazendo, fui levado por minha vontade inconsciente; não pude controlá-la. Leia os escritos de Schopenhauer e Libet a respeito!”.
- A humanidade é do diabo, de um jeito ou de outro. Com processos criminais ou não, com prisões ou não.

- Essa é a sua opinião, senhor Schopenhauer. Mas assim não vamos em frente.

Chegando nesse ponto, é melhor deixar a conversa de lado. Ambos estão certos em suas palavras. Libet tem razão ao não tirar a responsabilidade do homem em seus atos. E Schopenhauer em desconfiar de que as medições de Libet não sejam o suficiente para montar uma grande teoria sobre consciência, vontade e não-vontade.
Será que vivemos uma falsa liberdade? Cada um tem uma ideologia de vida, da qual tira suas conclusões. Este texto foi apenas para completar um pouco o anterior (cf. Existe livre arbítrio?).
Fonte: Quem sou eu? E se sou, quantos sou?
Espero que tenham gostado.
Até a próxima ;)

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