Trecho extraído do volume dois d’O Guia do Mochileiro das Galáxias – O Restaurante no Fim do Universo.
A 150 metros dali, golpeada pela chuva torrencial, encontrava-se a nave Coração de Ouro.
Ao abrir-se a escotilha emergiram três figuras, curvadas sobre si mesmas para protegerem os rostos da chuva.
— Lá dentro? - gritou Trillian acima do barulho da chuva.
— Sim. – disse Zarniwoop.
— Naquela choupana?
— É.
— Que esquisito – disse Zaphod.
— Mas fica no meio do nada – disse Trillian. – E não deve ser o lugar certo. Não dá para reger o Universo de uma choupana.
Correram pela chuva forte e chegaram completamente ensopados à porta. Bateram. Estavam tremendo.
A porta se abriu.
— Olá? – disse o homem.
— Ah, desculpe – disse Zarniwoop –, tenho motivos para acreditar...
— É você que rege o Universo? – disse Zaphod.
O homem sorriu para ele.
— Tento não reger – disse. – Vocês estão molhados?
Zaphod olhou para ele, assombrado.
— Molhados? – gritou. Não parece que estamos molhados?
— É o que me parece – disse o homem –, mas vocês poderiam ter uma opinião completamente contrária a esse respeito. Se acharem que o calor os secará, é melhor entrarem.
Entraram.
Espiaram a cabana por dentro, Zarniwoop com aversão. Trillian com interesse, Zaphod deliciado.
— Ei, ahn... – disse Zaphod – qual é o seu nome?
O homem olhou para eles em dúvida.
— Não sei. Por quê? Vocês acham que eu deveria ter um? Parece-me muito estranho dar um nome a um amontoado de vagas percepções sensoriais.
...
— Mas você sabe que existe um Universo inteiro lá fora! – gritou Zarniwoop. – Você não pode esquivar-se de suas responsabilidades dizendo que elas não existem!
O homem que rege o Universo pensou por um longo tempo enquanto Zarniwoop trepidava de raiva.
— Você tem muita certeza de seus fatos – disse por fim. – Eu não confiaria nos pensamentos de um homem que acha que o Universo, se é que existe um, é algo com o qual se pode contar.
Zarniwoop ainda trepidava, mas estava em silêncio.
— Eu apenas decido sobre o meu Universo – prosseguiu o homem calmamente. – Meu Universo são meus olhos e meus ouvidos. Qualquer coisa fora disso é boato.
— Mas você não crê em nada?
O homem sacudiu os ombros e apanhou seu gato.
— Não entendo o que você que dizer com isso.
— Você não entende que as coisas que você decide nesta choupana afetam as vidas e os destinos de milhões de pessoas? Isto tudo está monstruosamente errado!
— Não sei. Nunca vi todas essas pessoas de que você fala. E nem você, suspeito. Elas existem apenas nas palavras que ouvimos. É loucura dizer que você sabe o que está acontecendo com as outras pessoas. Só elas sabem, se é que existem. Elas têm seus próprios Universos a partir de seus olhos e seus ouvidos.
Trillian disse:
— Acho que vou dar uma volta lá fora.
Saiu e foi andar na chuva.
— Você acredita que existam outras pessoas? – insistiu Zarniwoop.
— Não tenho opinião. Como posso saber?
— É melhor eu ir ver o que há com a Trillian – disse Zaphod, e saiu.
...
Lá dentro Zarniwoop continuava.
— Mas você não entende que as pessoas vivem ou morrem de acordo com suas palavras?
O homem que rege o Universo esperou o quanto pôde. Quando ouviu o som distante dos motores da nave sendo ligados, falou para encobri-lo.
— não tem nada a ver comigo – disse. – Não estou envolvido em nada que diga respeito a pessoas. O Senhor sabe que não sou um homem cruel.
— Ah – vociferou Zarniwoop –, você diz “o Senhor”. Você acredita em alguma coisa!
— Meu gato – disse o homem benignamente, pegando-o e acariciando-o. – Eu o chamo de Senhor. Sou bom para ele.
— Muito bem – disse Zarniwoop, pressionando. – Como você sabe que ele existe? Como você sabe que ele sabe que você é bom, ou que ele gosta daquilo que ele acha que seja a sua bondade?
— Eu não sei – disse o homem com um sorriso –, não tenho ideia. Simplesmente me agrada agir de uma certa maneira com o que me parece ser um gato. Você se comporta de outra maneira? Por favor, acho que estou cansado.
Zarniwoop suspirou completamente insatisfeito e olhou à sua volta.
— Onde estão os outros dois? – disse de repente.
— Que outros dois? – disse o homem que rege o Universo, recostando-se na poltrona e enchendo o copo de uísque.
— Beeblebrox e a garota! Os dois que estavam aqui!
— Não me lembro de ninguém. O passado é uma ficção para explicar...
— Esqueça – rosnou Zarniwoop e saiu correndo na chuva. Não havia nave. A chuva continuava a revolver a lama. Não havia sinal que mostrasse onde tinha estado a nave. Ele gritou na chuva. Virou-se e correu de volta para a choupana e encontrou-a trancada.
O homem que rege o Universo cochilava em sua poltrona. Algum tempo depois ele brincou com o lápis e o papel outra vez e ficou encantado ao descobrir como usar um deles para fazer uma marca no outro. Havia vários barulhos vindos do lado de fora, mas ele não sabia se eram reais ou não. Então passou uma semana falando com a mesa para ver como ela reagiria.
<3
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